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24 de ago. de 2011

Pelos "Pagodes" da Cidade?

As linhas que seguem não têm um grande valor histórico nem musical para muitos, pois não trazem nenhuma biografia de algum mestre do Samba ou sambas inéditos, mas posso garantir e comprovar a veracidade dos fatos, pois eu mesmo em plena mocidade, “faz tempo”, pude ver com esses olhos que a terra há de comer, a transformação imobiliária e sócio cultural de uma rua aqui de São Paulo situada no Jardim América.

A Primeira vez que andei por ela foi na companhia de dois amigos maiores de idade, eu que era um moleque de 14 anos consegui depois de muita conversa entrar em um dos primeiros e mais tradicionais bares de samba de São Paulo, o Botecão.

Assim que entrei fiquei impressionado ao ver um grupo de samba mandando brasa e o salão repleto de dançarinos. Como alguém poderia cantar e tocar sem olhar para o braço do instrumento assim? No meio da fumaça de cigarro e tanto falatório o samba comeu noite adentro.

Por coincidência ou ironia do destino acabei voltando nessa rua para procurar meu primeiro emprego registrado em carteira, era em uma construtora civil como Office Boy, devia ter eu uns 15/16 anos. Por fim consegui o emprego.
Pelas tardes de Domingo na companhia de meus pais eu retornava a Rua João Moura, que se transformava na rua do choro.
Era um Palco armado atravessando a rua em frente ao Clube do Choro grudadinho com o Botecão.
Lá se apresentavam os maiores chorões, seresteiros e até sambistas do nosso Brasil, como o sobrinho do próprio Pixinguinha, Manezinho da Flauta, um senhor bem velhinho que soprava sua flauta de prata. 
Roberto Ribeiro e Martinho da Vila também já se apresentaram por lá, e tantos outros podia se ver de graça ali ao ar livre, um espetáculo.

Carlos Poyares - Regional do Isaias
Atração principal  nos 10 anos do Clube do Choro de São Paulo, e um dos fundadores e também atração da Rua do Choro (R. João Moura) no bairro de Pinheiros São Paulo.

Comecei a estudar Cavaquinho e com o contato de minha professora, fui convidado a fazer parte de um catado como pandeirista, pela primeira vez tocaria na noite e ganharia uma paguinha. O bar era o Cantinho da Vovó Belmira, acreditem se quiser na João Moura esquina com a Arthur de Azevedo, um pequeno barzinho que oferecia uma feijoada com uma pimenta brava a beça.

Eu acompanhava um já então falecido cantor chamado Rubão que ia de mesa em mesa e puxava o samba de acordo com a cara do freguês, e a gente ficava lá no palquinho batendo bem piano pra ouvir ele cantando sem microfone do outro lado do salão.
Mandava sambas que até então para mim eram desconhecidos como esses:


 


Com o passar dos anos passei a arranhar o cavaquinho, abandonei o pandeiro e inevitavelmente perdi a pegada, apenas mudei de número na rua, sai do Cantinho da Vovó e fui tocar no Brasileirinho Bar, ali aprendi a postura de músico e de bebedor profissional, se bem me entendem. Era comum olhar para o lado e ver o Manezinho da flauta ali sentadinho escutando nosso sambinha.

Aqui interpretados nas vozes de seus grandes autores, em minha forma de agradecimento por tantas alegrias, compartilho com vocês essas obras que fizeram parte do meu repertório naquelas noitadas, e que definem melhor essas lembranças.

 
 

No entervalo a gente retribuía a visita atravessava a rua e ficava ali de fora do clube do choro, só escutando os mestres lá dentro do clube mandando brasa.

Domingo o nosso cura ressaca era voltar a rua do Choro, e uma das apresentações mais inesquecíveis foi ver a divina Elizete Cardoso cantando há pouco mais de 2 metros de distancia e ver os olhos de um amigo já também falecido “Luis Gordo” se encher de lágrimas de tamanha emoção.

Na rua João Moura ficava também a quadra da Escola de Samba Tom Maior, acabei fazendo um sambinha de mesa por lá aos sabados com nosso grupo e acompanhando compositores que faziam sambas para as eliminatórias do desfile de carnaval, nunca chegamos a ganhar o samba, mais o que valia era participar.
Sede da Tom Maior 88/99
Uma família “tradicional” que segundo os músicos e batuqueiros, ou boêmios, levava até o sobrenome do homenageado “Moura” conseguiu na Justiça ou prefeitura tirar a rua do Choro de lá, e o clube acabou fechando juntamente com o Bar Botecão, que virou Bar Balancê e foi para uma outra rua ali perto. 
Quem hoje passa por lá se depara com uma agência dos Correios, o Brasileirinho e o Cantinho da Vovó Belmira foram demolidos e hoje dão lugar a dois imponentes edifícios residenciais.

Mais abaixo sentido Sumaré, onde ficava a quadra da escola de samba, mais precisamente embaixo da ponte, alguns desses distintos moradores dos edifícios ali de perto deram um jeitinho e tiraram a escola de lá alegando ser uma baderna e um barulho infernal, e hoje o local cede espaço ao sacolão da prefeitura e uma cooperativa de reciclagem.

Bom, eu que tanto atravessei esta rua de envelope na mão como mensageiro, depois com um pandeirinho sem capa e com meu cavaquinho, hoje passo atento pela rua olhando pelo retrovisor do carro, relembrando os amigos, os sambas por ali entoados, os acordes que continuam na minha lembrança e casado com uma ex-aluna de um colégio estadual que fica também na João Moura.

Sinto-me feliz e orgulhoso por ter presenciado ao progresso de minha cidade, sua história e fazer parte dela e triste ao mesmo tempo, ao ver a nossa cultura musical ser a cada esquina, a cada quintal e a cada residência, demolida para dar lugar a tantas casas noturnas que cobram tão alto o couvert artístico para se ouvir musica importada de um computador.

Todos esse fatos se deram em meados dos anos 80/90 enquanto muito sambista de valor hoje em dia estava soltando pipa, ou indo para os bailes do "Sandália", graças a Deus a missa segue muda-se o vigário e o sermão fica o mesmo, um verso do Candeia que eu gosto muito:

"Calma, calma, minha gente
pra que tanto bambambam
pois os blacks de hoje em dia
são os sambistas de amanhã!"

A todos músicos da noite, meu carinho e respeito

por:D'hora

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